Cada dia rastejo sobre o
desamparo, buscando sorver as migalhas de um desprezo que reluz a amor. Meu
corpo dói hoje como se nunca tivesse sentido um carinho. São milhões de anos
desde teu gesto de ternura de ontem. De joelhos, venho eu, com o pecado da
solidão nas mãos postas, desejando a bênção de teu afeto, a água benta da tua
boca molhada, a luz divina de teus olhos. Tento profanar tua sublime
indiferença com beijos lassos, com os passos soltos de minha dança pagã e
prosaica. Mas tu, divindade volúvel, me negas a face, desfazendo-te inefável na
bruma fria de meus pantanosos sonhos. É isso, então. Tu, que nunca foste
deusa, assoberbada do altar que te construí, agora esfregas na minha cara com
teus pés dionisíacos a ambrósia amassada e o néctar putrefato da frustração, esse
pomar em que grassam os frutos da minha insegurança. Em meus anseios súbitos de
iconoclasta, quero negar a devoção, espatifar tua imagem marmórea da minha
mente e mastigar esses pedaços brancos até que se confundam com meus dentes,
com meus ossos, para que sejas cálcio da minha fraqueza. Antevendo o sofrimento
do meu futuro agnóstico, porém, abandono minhas heresias e volto para ti com
voz mansa e oferendas de amor eterno, lacaio de minha própria devoção.
Um comentário:
Bicho... Vou nem dizer nada. Tu já sabe!
Postar um comentário