Às vezes, quando deito à noite, recebo uma visita furtiva. É uma solidão errante que passava na minha porta e decidiu entrar. Uma urticária que uiva muda, moendo amiúde minha vontade de ser. Em noites como esta, com pesadelos de solidão acordada, acabo sempre vomitando preto num papel — não por vaidade, mas por uma agonia de dormir. Descobrir que se está, na verdade, sozinho é como estar exilado de todos, expatriado dos seus, como morar longe de si. No diametralmente oposto ao divino, estou eu — última instância do mundo. O quarto é só a cela oca, prisão e celeiro de pensamentos que turbilham afogadiços, em ondas acéfalas de consciência. Suas águas turbas se curvam sobre mim, e as engulo num soluço seco: é a revelação última de que, para além das moléculas de pessoas, há apenas eu, átomo.
3 comentários:
Gostei muito da predominância poética da linguagem, da reflexão sobre a solidão e outras relações e comparações de muito sentido, numa linha estética admirável...De repente me imaginei só, e lhe tomando as palavras, sentindo-me na mais abandonada das circunstância do mundo...Parabéns e muitas bênçãos pra você
Me lembrei de um comentário que meu professor de biofísica, filósofo por vocação, fez numa aula (naquela vida passada em que eu quase virei farmacêutica): como a posição dos elétrons nunca pode ser encontrada com certeza, o átomo é uma porção de espaços vazios, preenchida invisivelmente com o cerne da matéria, sem que a gente descubra aonde isso pode nos levar... E foi tudo o que me ficou de 3h de aula... Gostei muito do texto. Beijo.
Massa, velho. No fim de tudo, o "eu" é sempre o que resta. abraço, monstro
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