sexta-feira, 24 de julho de 2009

Os que vão e os que ficam

A amizade é uma coisa realmente estranha: a paixão pode destruí-la, as provações a tornam maior, a distância absolutamente não lhe faz diferença. Se fosse reduzi-la a uma definição, eu diria que é a capacidade de não mais sentir desconforto ao lado de alguém. Toda relação humana começa com o desconforto — esse é o nome daquela música estranha que nos obriga a seguir certos passos enquanto dançamos, mascarados, no baile das convenções sociais. Tem sido assim desde que as mesuras das cortes monárquicas foram abolidas: dançamos instintivamente agora. O desconforto nos obriga a falar, dizer nada só para dizer alguma coisa. Cantamos em tom mais alto que o nosso, num falsete caprichado. Quando a amizade chega, tiramos as máscaras, relaxamos o corpo, deixamos cair o falsete para recuperar nossa voz. Se fosse falar dos três aspectos acima, eu diria que a paixão é sua inimiga — não passa de idéias cristalizadas, servas da vontade, disfarçadas sob o manto de princípios e valores. A paixão religiosa, política, esportiva ou amorosa… Essas podem fazer tombar uma amizade. Já as provações, estas são suas aliadas. Nem vou me demorar nisso, pois é um lugar-comum dizer que as dificuldades dão à amizade uma solidez maior. A distância, por fim, pouco lhe importa. Não faz diferença se São Paulo, Manaus ou Ipswich. Nada vai mudar o conforto que uma amizade traz. O conforto é um silêncio que se aconchegou bem e agora dorme despreocupado. Mas é um silêncio conhecido, familiar, filho da confiança com o tempo. Essa é a dádiva da amizade: neste mundo de palavras, os amigos são as únicas pessoas com quem podemos estar verdadeiramente em silêncio.

10 comentários:

Nadiana Lima disse...

Muito bom, Heber! Ler este texto me lembrou de uma das cenas mais legais de Pulp Fiction, a respeito do silêncio que incomoda... Cansa dançar a esse som... Abraços!

Unknown disse...

Ei... fantástico, mais que o silêncio, com os amigos a gente pode falar bobagens sem medo...Agora, as paixões não somente estragam, às vezes, embelezam o olhar ou apenas nos fazem suspirar!

Unknown disse...

Poxa, que lindo texto! Muito bom mesmo. Lembrei destas pelavras de Wilde:
"Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou."

Unknown disse...

Parabéns pelo texto. Admirável e sincero!

serelepe disse...

descobri por que não venho tanto aqui. pra não idolatrar demais você.
idolatrá-lo seria um motivo pra ficar desconfortável ao seu lado. e isso eu não quero.

sinto falta de você nos meus dias.
você tem poesia até quando não escreve. ^^

parabéns pelo texto. é lindo!

. disse...

Andréa disse tudo.. ou wilde?!? kkk relaxa pow, quem tem bigode na bunda é peixe mou vé! Massa esse texto Hebert não conhecia muito esse teu lado punk-death!

abraço!

Juliana disse...

Heber mto boa a imagem do baile das convecoes sociais! Incrivel como vc descreveu o que eh amizade, couldn't agree more. Mas a parte que mais gostei eh a de Ipswich hehehe! beijos e saudades!

Malthus disse...

Bóra, monstro. Como sempre, excelente texto, velho. Parabéns. abraço

Catastrótico disse...

Geralmente as pessoas confundem a convivência com a amizade, sempre procurei uma forma de expressar isso, você achou um bom caminho...

O problema das amizades eternas é que elas tem o rompimento definitivo!

Otímo texto...

Raquel disse...

Perfeito!!!